terça-feira, 14 de abril de 2009

10 questões para entender o tremor na economia

GUSTAVO PATU
da Folha de S.Paulo

O que era uma onda de calotes no mercado imobiliário dos Estados Unidos se transformou em uma crise nos mercados de ações, de crédito e de câmbio do planeta --e os efeitos já começam a chegar ao comércio, aos empregos e ao cotidiano de todos. As próximas páginas procuram trazer à linguagem comum as origens da crise, a dinâmica do mundo financeiro e os desafios a serem enfrentados pelo Brasil.

Leia a seguir dez explicações que ajudam a entender a atual crise:

1 - Como um momento de euforia econômica se transforma em pânico financeiro?
2 - Se as autoridades culpam os especuladores, por que a especulação não é coibida?
3 - Por que os bancos quebram? Por que são socorridos?
4 - De onde os bancos centrais tiram dinheiro para injetar nos bancos?
5 - Se as ações não estão diretamente envolvidas na crise, por que as Bolsas desabam?
6 - Por que o governo não consegue controlar a cotação do dólar?
7 - O que acontece em uma recessão?
8 - Por que o Brasil tende a crescer menos?
9 - Por que as empresas brasileiras que nada têm a ver com as origens da crise tiveram prejuízos milionários?
10 - Quais são as opções do governo brasileiro para lidar com os efeitos da crise?

1 - Como um momento de euforia econômica se transforma em pânico financeiro?

Crises especulativas como a atual --documentadas desde o século 17, com dimensões variadas-- são sempre gestadas em momentos de juros baixos e crédito farto, mais comuns em fases de prosperidade. E a economia mundial vivia o melhor momento desde a década de 70.

O acesso mais fácil ao dinheiro reduz a noção geral de risco. Tanto profissionais do mercado quanto cidadãos comuns se tornam mais propensos a investimentos ousados, em busca de lucros mais altos e rápidos.

Nesse cenário, surgem as 'bolhas': um tipo de investimento -sejam ações, moedas, imóveis, empréstimos ou, em tempos mais remotos, canais, ferrovias e até tulipas- se torna uma mania e se valoriza muito além das reais possibilidades de retorno. Cria-se um círculo vicioso: quanto mais gente entra no mercado, mais ele se valoriza; quanto mais se valoriza, mais gente entra.

No caso atual, a bolha foi criada no mercado imobiliário americano, antes de se disseminar por outros mercados e países. Casas e apartamentos com preços em alta serviam de garantia para financiamentos imobiliários que ajudavam a elevar os preços. A espiral culminou em financiamentos de altíssimo risco para clientes sem capacidade de pagamento.

Os participantes do mercado sabem que a festa não vai durar para sempre. Paradoxalmente, isso estimula a corrida à especulação: os investidores querem aproveitar a oportunidade antes do estouro da bolha.

Como se sabe que a situação é insustentável, o primeiro sinal --quebra de banco, disparada de uma moeda, moratória-- causa pânico geral, e todos querem fugir ao mesmo tempo e multiplicam as perdas. Decisões individuais racionais, portanto, podem levar a comportamentos coletivos irracionais.

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2 - Se as autoridades culpam os especuladores, por que a especulação não é coibida?

Os especuladores, tratados no coletivo e no anonimato, são bodes expiatórios convenientes quando as crises explodem. Evoca-se a antipatia dedicada aos gananciosos que desejam enriquecer sem produzir, deixando em segundo plano os questionamentos à política econômica ou à atuação dos órgãos reguladores.

Propostas para restringir a especulação são antigas e periodicamente lembradas. A mais famosa, do economista americano James Tobin, é a de criar um imposto sobre todas as transações financeiras, uma espécie de CPMF global, para tornar mais lentos e mais caros os movimentos do mercado. Nas palavras de seu idealizador, jogar 'um pouco de areia' nas engrenagens do sistema.

Passadas as crises, no entanto, as ameaças e limites impostos aos especuladores são esquecidos ou contornados. Em parte porque o setor financeiro é influente no mundo das idéias e da política, mas, principalmente, porque a especulação é um dos motores da economia de mercado.

Os especuladores --aqueles unicamente interessados em comprar e vender com lucro- viabilizam e expandem os mercados de ações, de moedas e de títulos. Se não fosse a especulação, só compraria ações, por exemplo, uma meia dúzia de fato interessada em se tornar sócia de uma empresa.

A riqueza financeira se distancia cada vez mais dos valores que enxergamos diariamente. Em 1980, o volume de dinheiro aplicado no mercado financeiro era 20% superior à riqueza produzida no mundo. Em 2006, mais de 200%.

O Produto Interno Bruto global, no período, quase quintuplicou, de US$ 10 trilhões para US$ 48 trilhões. Mais espantoso foi o salto do volume de dinheiro aplicado nos bancos, em títulos e ações, que foi de US$ 12 trilhões para US$ 167 trilhões. Mais dinheiro no mercado significa mais possibilidades de investimento e crescimento -e mais riscos também.

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3 - Por que os bancos quebram? Por que são socorridos?

Uma pessoa ou uma empresa quebrada é a que não consegue pagar suas dívidas. Um banco quebrado é o que emprestou dinheiro a quem não conseguiu pagar as dívidas, como mutuários do subprime americano.

O papel do sistema financeiro é intermediar o encontro entre os que desejam poupar e os que desejam investir. Sua tarefa é selecionar pessoas e empresas mais aptas a progredir e a conseguir pagar com juros o dinheiro recebido. Os menos aptos pagam juros maiores para compensar o risco.

Nos financiamentos imobiliários tradicionais, o banco empresta recursos da poupança. Para os mutuários sem emprego, sem documentos e sem garantias dos EUA, a operação foi muito mais sofisticada.

Os empréstimos serviram de base para títulos que proporcionavam a seus compradores os superjuros cobrados nos financiamentos imobiliários. De pequeno valor unitário e livremente negociáveis, títulos permitem que os credores se tornem múltiplos e anônimos.

Os títulos, por sua vez, serviram de base para derivativos, ou seja, contratos em que as partes perdem ou ganham a partir da variação de um ativo financeiro, muito semelhante a uma aposta num cassino.

A sofisticação não removeu o obstáculo mais prosaico e previsível: os pobres-coitados que habitam a economia real não puderam mais pagar as dívidas.

Administradores de poupança pública, os bancos podem provocar perdas generalizadas ao quebrar. E, quanto maior o erro, maior a chance de socorro por governos que querem evitar ou atenuar uma onda de falências e desemprego.

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4 - De onde os bancos centrais tiram dinheiro para injetar nos bancos?

Os bancos centrais, mesmo os que estão formalmente subordinados a governos, como o brasileiro, têm poder de decisão para movimentar diariamente enormes quantias, necessárias para a execução da política monetária, ou seja, de controle do volume de dinheiro e crédito na economia.

Dos seus superpoderes, o mais usual e importante são as operações de mercado aberto, em que se negociam títulos com bancos. Quando querem elevar a oferta de moeda e reduzir juros, os bancos centrais compram títulos --como fizeram na semana passada os seis principais BCs do mundo.

Quando se deseja um aperto monetário, como o BC brasileiro vem fazendo para conter a inflação, vendem-se títulos, e há menos dinheiro na praça. Os juros dessas operações servem de base para as demais operações da economia e, por isso, são chamados de "taxa básica".

Para regular a oferta de crédito, os bancos centrais recolhem parte dos depósitos em contas correntes e aplicações financeiras. Nos últimos dias, o BC brasileiro liberou mais de R$ 100 bilhões desse recolhimento compulsório para tentar conter queda do volume de empréstimos e financiamentos.

Por fim, os bancos centrais têm o papel de atender, a seu critério, bancos que não conseguem obter no mercado recursos para operações diárias. Por maiores que sejam, esses empréstimos à base de emissão de moeda só resolvem problemas momentâneos de liquidez.

Se o banco tem problemas patrimoniais, ou seja, se o dinheiro dos devedores for insuficiente para saldar compromissos, seus donos têm de entrar com mais capital. Se não têm dinheiro, a solução do momento é achar um sócio --o governo, ou, mais exatamente, dinheiro dos contribuintes.

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5 - Se as ações não estão diretamente envolvidas na crise, por que as Bolsas desabam?

Quem compra ações se torna sócio de uma empresa e, portanto, espera lucros com a expectativa de crescimento futuro da economia. Se as expectativas para os próximos meses e anos se tornam sombrias, os investidores se desfazem das ações, e o movimento de venda em massa derruba os preços.

Ainda que a maior parte dos participantes do mercado não queira relações duradouras com as empresas, mas apenas comprar e vender com vantagem suas participações, a valorização das ações depende das perspectivas para a empresa em particular e para o mercado em geral.

Ações de empresas diretamente envolvidas na crise, como as de bancos que se aventuraram no crédito arriscado ou nos derivativos a ele atrelados, tendem a cair mais, mas as demais tampouco estão a salvo.

Os mercados financeiros são interligados em todo o mundo. Um investidor que teve prejuízo com derivativos no Japão, por exemplo, pode ser obrigado a vender ações no Brasil para cobrir as perdas.

Ações são o que se chama de investimento de renda variável. Diferentemente de quem aplica na poupança ou em um CDB, os compradores de ações não sabem quanto nem quando vão ganhar. Sabem apenas que pretendem ganhar mais do que oferecem as opções conservadoras de renda fixa.

Não por acaso, há uma sucessão frenética de compras e vendas nas Bolsas, o que faz o índice geral das ações alternar altas e baixas em questão de minutos. O mercado brasileiro, com grande presença de capital estrangeiro e concentrado nas ações de poucas empresas grandes, como a Petrobras e a Vale do Rio Doce, tende a ser ainda mais volátil --ou seja, apresentar percentuais mais elevados de alta ou de baixa- do que a média das Bolsas de Valores do mundo.

Emoções à parte, quando se observa o comportamento do mercado em períodos mais longos, medidos em décadas, a tendência geral é sempre de alta -porque, afinal, também assim funciona, aos trancos e barrancos, o capitalismo.

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6 - Por que o governo não consegue controlar a cotação do dólar?

O câmbio é o preço mais importante da economia, mais ainda em países, como o Brasil, cujas moedas não são aceitas como pagamento de importações ou pagamento de dívidas com o exterior.

O preço do dólar afeta o comércio, a inflação, as contas do governo, o crescimento econômico e a popularidade dos governantes.

Ainda assim, o governo passou os últimos anos tentando, sem sucesso, segurar a valorização do real -e as últimas semanas tentando, também inutilmente, deter a disparada do dólar. Devido a essa incapacidade, proclama-se oficialmente, desde 1999, que o câmbio é livre no Brasil.

Não é difícil entender: o mercado de câmbio é o maior dos mercados financeiros, com movimento diário de US$ 3 trilhões a US$ 4 trilhões que podem ir de um extremo a outro do planeta em alguns segundos.

Mesmo as nada desprezíveis reservas de US$ 200 bilhões acumuladas pelo Banco Central poderiam virar farelo se o governo tentasse, como no passado, administrar sua taxa de câmbio em um cenário de livre fluxo de capitais.

Para manter o câmbio, o governo precisa atender aos movimentos de compra e venda do mercado: se falta dólar, precisa vender suas reservas para ampliar a oferta e evitar uma disparada das cotações; se sobra, compra o excesso para manter o preço estável.

Nos últimos meses de câmbio administrado, o país precisava paralisar sua economia com juros de 40% ao ano na tentativa de atrair os dólares necessários.

Mas esse não é um caso de incompetência nacional. Os Estados Unidos e o Japão adotaram o câmbio flutuante na década de 70, e a Europa, nos 90.

Onde houve liberdade, o fluxo de capitais derrubou o sistema de cotações que havia sido acertado entre os países na conferência de Bretton Woods, em 1944 -a última iniciativa de controle das finanças globais, sempre lembrada em tempos de crise e esquecida logo depois.

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7 - O que acontece em uma recessão?

Uma recessão começa quando investidores acreditam que a hora não é boa para investir e consumidores crêem que a hora não é boa para consumir. E, na tentativa de protegerem sua riqueza, todos empobrecem.

O desalento não é um mero estado de espírito. Empresas e famílias afetadas pela crise perderam efetivamente condições de investir e consumir, como os donos de ações e imóveis que perderam valor. Não se trata de um caso em que uns perdem e outros ganham, num jogo de soma zero: essa riqueza simplesmente desapareceu.

Quando não se confia no futuro, o medo toma o lugar da ganância. Evita-se emprestar dinheiro e procura-se poupar para dias difíceis. Mas, com a retração de investimento e consumo, empresas vendem menos; com a queda nos lucros, há mais demissões; com menos renda, as famílias cortam o consumo, e o ciclo recomeça.

Tecnicamente, os economistas consideram que há uma recessão quando o PIB (Produto Interno Bruto) cai por dois ou três trimestres consecutivos. Quando se imagina uma queda profunda e prolongada do PIB, fala-se, mais dramaticamente, em depressão --mas, após a década de 30, nenhum período da história econômica mundial chegou a merecer o termo.

Recessões mundiais são raras: na história recente, não há casos de anos em que o PIB global tenha terminado menor do que começou. Em 1982, em meio à crise da onda de calotes do Terceiro Mundo, a economia mundial cresceu 0,9%, e desde então não houve resultado pior. No Brasil, a pior recessão ocorreu em 1990, quando o Plano Collor confiscou depósitos bancários e o PIB caiu 4,4%.

8 - Por que o Brasil tende a crescer menos?

Depois de dois anos seguidos de expansão econômica na casa dos 5%, o governo já decretava que fazia parte do passado a comparação entre o crescimento brasileiro e um vôo de galinha. Agora, a galinha está prestes a pousar mais uma vez.

Não há, até o momento, previsões de recessão, mas é consensual que os percentuais de crescimento serão mais modestos em 2009. Andar mais devagar não é tão ruim quanto andar para trás, mas os efeitos econômicos e políticos são da mesma natureza.

O Brasil já sofre com a retração mundial do crédito. Boa parte do dinheiro emprestado aqui dentro é obtida lá fora. Com recessão nos Estados Unidos e na Europa, encolhe o mercado para as exportações brasileiras, que também cairão de preço. Multinacionais tendem a cancelar ou adiar planos de expansão no país.

Outra ameaça é a recente disparada do dólar, que não se sabe onde ou quando vai parar. Se o dólar se mantiver alto, importações ficarão mais caras e a inflação tenderá a subir. Nesse caso, o Banco Central, na contramão do resto do mundo, poderá optar por subir ainda mais os juros e conter o consumo, o investimento, o crescimento e os preços.

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9 - Por que as empresas brasileiras que nada têm a ver com as origens da crise tiveram prejuízos milionários?

Empresas entram no mercado de derivativos para se protegerem de perdas, enquanto os especuladores assumem os riscos para ganhar. Sadia, Aracruz e Votorantim --entre muitas outras, teme-se-- acabaram participando de uma tentativa de fazer as duas coisas.

Embora o nome cause estranheza, derivativos fazem parte do cotidiano de quem faz, por exemplo, o seguro de um automóvel. O dono do carro não quer sair mais rico do negócio; quer simplesmente uma operação que, se for preciso, renderá dinheiro suficiente para cobrir possíveis prejuízos de sua atividade de motorista. É o que se chama de hedge.

Na outra ponta da operação, está um especulador apostando que o carro não será batido nem roubado, a seguradora. Se a aposta estiver correta, ela ficará com o prêmio pago pelo dono do carro.

Os demais derivativos podem ser mais complexos, mas seguem os mesmos princípios. Empresas exportadoras, com receita em dólar, buscam se proteger de uma desvalorização vendendo a moeda americana no mercado futuro por uma cotação considerada razoável. Se o dólar mudar de patamar, a perda em receita será compensada pelo derivativo.

Como o dólar caía sem parar, os bancos passaram a oferecer às empresas operações que prometiam ganhos superiores ao necessário para cobrir riscos de perdas. O que era hedge virou especulação. E dava lucro, até a crise provocar uma alta inesperada do dólar -que, se não for revertida, poderá revelar mais empresas no jogo e perdas maiores.

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10 - Quais são as opções do governo brasileiro para lidar com os efeitos da crise?

A primeira reação do governo tem sido tentar evitar ou atenuar a secura de crédito, cuja expansão foi um dos motores da economia brasileira nos últimos anos, embora retórica oficial prefira dar mérito ao PAC.

Mas, como aconteceu em todas as crises recentes, o país pode ser obrigado a escolher entre crescimento e inflação --sacrificar o primeiro para evitar a segunda ou, na alternativa menos conservadora, tentar acelerar um correndo o risco de impulsionar a outra.

No primeiro caso, a receita é conhecida: os juros são mantidos ou até elevados, e o mesmo é feito com a meta de superávit primário (a parcela da arrecadação tributária destinada ao abatimento da dívida pública). As medidas reduzem o consumo público e privado, esfriam a economia e ajudam a impedir que a alta do dólar se transforme em aumento da inflação.

Esse era o cenário traçado antes do agravamento da crise, quando as atenções do governo se voltavam para a rápida piora da balança comercial, efeito colateral do consumo em alta. O projeto de Orçamento de 2009 já contempla a possibilidade de aumentar superávit primário.

Mas a perspectiva de contração econômica acima do esperado levou setores menos ortodoxos da equipe econômica a falar, até aqui no anonimato, em medidas pró-crescimento, de mais gastos públicos, menos impostos e menos juros. É o que os economistas chamam de política anticíclica: quando a economia vai bem, o governo faz mais economia; quando vai mal, gasta-se. No caso brasileiro, já não há mais tempo para a primeira parte do plano.

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